quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Infame lua

Levanta-te sobre mim infame lua de âmbar e arrebata meu corpo demente de tanto desejar. Carne viva que o amor esculpiu no amalgama de sangue e osso do meu corpo vão, de mulher malsã. Ergue no escuro do desvario da noite a bandeira desfraldada do meu coração e abençoa com sombras os pecados cometidos pela insensatez.
Escorre branca lua a tua altivez na minha retina insone de tanto sonhar. Entranha no meu passar vagabundo as lantejoulas do teu reflexo; espelho convexo: me deforma enquanto me devora.
Ofereço em sacrifício o meu deleite de te espreitar, banha de prata o meu ardor, pesar e amor, a minha dor. A placidez intransigente do teu reflexo movente sobre o mar, a trajetória intempestiva do teu desejo na paisagem do meu corpo são como faróis em alto mar a guiar a pulsão sem destino. Desenha com a linha incandescente do teu brilho uma tatuagem etérea no filó da cortina que me esconde de ti. E afaga destemida a minha libido de bicho no cio.
Acasala comigo nesta estranha comunhão excomungada e lésbica do grão de areia com o mar, do seixo rolado com o rio, ilumina a centelha da palavra que calo e usa o teu chicote para me fazer gritar até que a morte me silencie e um gozo profundo e aquoso nos una e faça boiar sobre o arrepio que o vento provoca no escuro profundo do mar.
Lua meu fel. Mel que a língua roubou do teu ventre. Tremor de lua e sombra na proa do navio fantasma. Farrapo de vestido de noiva e flores murchas. Tantas lembranças a tua presença afugenta de mim. A tua luz me revela o escuro de mim mesma e a fada revoa feiticeira pelas bordas esfumaçadas de ingênuas nuvens que em vão tentam esconder a tua nudez e o meu despudor.
Oh, lua se me escutasses! Se ao invés de enfeitiçar o meu olhar me desses os ouvidos eu te encantaria como a uma serpente venenosa para que me destilasses o teu veneno até a última gota , e dele eu fizesse a tinta escura para tatuar o meu coração com a agulha da desilusão.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Amendoeiras

As amendoeiras estão vermelhas de desejo. Sonham a gravidez da primavera. Esparramam pelo chão o tapete de gala para receber a fertilidade passageira e vã das estações.
As amendoeiras tramam nas minhas retinas como estranhas parteiras filhos que a terra há de parir e comer. Pura desilusão que o tempo despetala no coração.
O sol brinca feito menino entre as folhas sedutoras das amendoeiras que se exibem faceiras diante da placidez azul e atônita do inverno do teu olhar.
As amendoeiras desafiam indiferentes e altivas cada passante que por elas erra sem poder possuí-las. É o cativeiro do vagar na aridez do desejo.
Pulsões embalsamadas em folhas secas desperdiçadas pelo chão, seiva despudorada e outonal que escorre na dança diáfana do cisne que morre.
Ejaculação e transfusão se misturam em húmus fértil e adocicado como o cheiro de perfume barato e batom vermelho que enfeita o decote da puta entediada, sentada de pernas abertas, explícita e vulnerável sobre o tapete vermelho estendido no asfalto esburacado do meu coração.
Não há cura. A patrulha chegou meu amor. Melhor vestir a roupa de domingo. Enquanto isso o gari varre as folhas esquecidas do outono para baixo do tapete da solidão.