A chuva escorre líquida no meio do temporal que me abraça. É
como um laço na garganta, apertado e franco, quase abafado. A chuva
afasta o mar e faz o ar livre entrar pelas narinas: cortante, dilacerando o
pulmão.
A tristeza escorre líquida como uma alegria tardia, fora da
estação. Talvez madura demais, talvez ainda verde. E assim fora do tempo ela me
arrebata, frágil e indefesa, na potência máxima de sua força
desterritorializadora.
A tristeza é o mar, mas pode ser o Tejo, ou o Amazonas. Onde
navegam as naus dos que partem para nunca mais e dos que voltam perdidos, dos
que não compreendem este movimento sísmico das águas nas rachaduras da terra,
os navegantes.
Há um tanto de terra que flui por estes pingos da chuva no
meu rosto de areia lavada. Meu rosto pétreo de olhar o mar e desejar que
voltes, mesmo sabendo que eu não poderia te receber. O meu querer é uma nau a
deriva no mar que a geografia inscreve na concha desta baía de todos os
navegantes.
O meu querer é uma prostituta vadia que abana o rabo ao
primeiro marujo que no cais desembarca cansado do balanço do mar, sedento por
uma cama limpa onde seu corpo possa atracar.
E assim também é a minha tristeza, um porto esvaziado pelas
chegadas e pelas partidas. Um porto batido pelo mar. Carcomido pela salinidade do
mar. Deformado pelas incrustações de seres marinhos, uma braçada de flores
lançada ao mar. Um fio de água salgada escorre do meu olho esquerdo, teimoso
de olhar o mar. E o fio de água salgada se mistura ao pingo da chuva e corre
caudaloso em forma de rio, sedento de mar. Esse misterioso movimento de se
esvair. Esvair solidão. Esvair não ser. Esvair desejo sem destino no mastro do
navio. Esvair insensatez de amar demais. Esvair a luz do farol que mudo sinaliza a
escuridão.
A chuva aperta. A minha garganta. O choro lava a alma. O
riso acalma. A emoção profunda abole de vez a fronteira entre o alegre e o
triste que em mim habitam como fantoches de uma pantomima ingênua e peregrina.
O meu corpo é um circo mambembe que atrai os estradeiros, os caminhoneiros, os
camponeses de olhos líquidos e pastosos, de mãos sulcadas pelo arado do tempo,
de pés grossos de tanto amanhar a terra, de corações moles de tanto não saber
amar. Que invadem ávidos a lona furada deste circo. E trazem flores como
meninos ingênuos e castos na sua primeira noite de amor. E partem apressados
sem saber o que dizer ou fazer depois que o espetáculo termina. E chegam
afoitos nos catres pobres que os aguardam insones e a espreita de que voltem,
todas as noites, ainda mais uma vez.
Sou o circo que parte. As velas recolhidas junto à lona
surrada do caminhão. A estrada pela frente e mais um amor deixado para trás.