terça-feira, 26 de abril de 2011

domingo, 10 de abril de 2011

Escrita sem lei

Minha escrita tem a feminilidade do travesti, a abstinência sexual do devasso, a virtude de ser pagã, o anonimato das obras infames, o pudor impertinente da puta iniciante e vaga no mundo vagabunda como os que escolhem a deriva.
Escrita que tatuo na retina de quem me lê, que sai na urina, que é feita das ruínas do meu sentir, abstrato e órfão, exercício insensato da razão perdida. Assim escrevo como quem mendiga um leitor. Uma pedinte que cobre o corpo com os andrajos sujos da própria escrita. Homeless sem texto. Coração de ferro que oxida sob a intempérie da inspiração baldia e urbana.
Disparo minha escrita sobre quem me lê, como se fosse um terrorista, uma mulher bomba em sua burka de textos esconderijo. Seqüestro tua atenção presa ao sentido e te faço refém do meu silêncio maldito, povoado de imagens fora da ação e da lei. Aqui na calada do texto você pode adormecer ou ser sacrificado.
Não escolha nem pense apenas leia como quem sorve um trago forte de aguardente. É o suplício. Deixa o meu texto arder na tua garganta até descer como um sapo goela abaixo. E te inundar o ventre de uma diarréia de sêmem em decomposição.
Assim é o meu texto: uma vagina ácida e latente. Cada palavra que ergo bêbada sobre o balcão decadente do pé sujo escorre líquida como os amores modernos. E o balconista limpa aflito e impaciente com um pano que fede a palavras apodrecidas e amores desiludidos.
A mulher bomba tomba no balcão de fórmica e alumínio, entre ovos cor-de-rosa e um pedaço de carne antiga que bóia em meio a cebolas, azeitonas e pimentões. É como se a missão terrorista de que era autora se desmanchasse no ar como um gozo prematuro ou o gozo que escapa na hora “h”, a hora da estrela decadente. Bomba desarmada, escrita degolada pela guilhotina do senso comum, ela diz alguma coisa, é difícil ouvi-la, aproximo o ouvido, é uma canção de ninar e eu, obediente, adormeço ao seu lado.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Não

Não quero tua impossibilidade de amar, os limites, este não saber se entregar vestido de polidez e cortesia. Não quero te julgar nem explicar se é medo, se é coragem ou covardia, se é liberdade, autonomia ou servidão o que te aproxima e o que te faz me descartar. Não quero partilhar o que não é meu. Quero divisar o que é teu.
Quero a devassidão da nudez da violação das boas maneiras. A sujeira pura do sexo em quartos decadentes e com cheiro de desinfetante barato. Quero não pensar nas conseqüências e cuidar do desejo como quem amamenta um filho recém nascido. Pisando em ovos,  insegura e descobrindo o prazer da sofreguidão do sugar.
Quero palavras obscenas recobrindo a delicadeza do faro que perscruta os perfumes íntimos da minha vagina. E a mão indiscreta que percorre meu corpo como quem folheia um livro de contos eróticos. Quero a música no volume máximo depondo o entendimento. O plano inclinado e escorregadio dos abismos (in)corporais – eu e você a sós. Eu e você – samurais. Eu e você – as gueixas de lado. Toalhas mornas e o gosto pastoso do mingau que recobre a superfície estriada do estomago como um balsamo, comida para a alma, convulsão de sabores.
Não quero a tua solidão doída de esbarrar na parede do outro e escolher o atalho barato do buraco do rato. Quero a vontade de escalar e o risco de cair. A adrenalina e a depressão. A noite insone e o desespero que é o mesmo diante da intransigência do corpo e a exigência do gozo. Mas o que é o gozo se não a libertinagem – liberdade selvagem – da natureza? Que me possui sem pedir licença, sem as mesuras do amor cortês, sem disritmia.
Quero o teu defeito de fabricação, a tua impossibilidade de sustentar uma ereção, o teu cansaço, a tua hesitação diante  do convite para se perder no meu universo. Quero a impaciência e a volúpia do dominador e quero o domador de quatro perdendo a compostura na sodomia.
Quero a camisa de seda no peito aberta e as tatuagens borradas pelo destempero de amar demais e as desilusões amanhecidas como pão velho sobre a mesa do café. O café requentado e amargo como a despedida da amante preferida, já esquecida nos poemas colecionados como droga e comercializados em doses (des)medidas de amor. O amor mercadoria no boulevar das desilusões.  Ali onde a meia arrastão que vestes despe a fronteira entre o homem e a travesti que circulam nas tuas veias entupidas de gozo e morte, o teu corpo infartado e desejante.
Quero a peituda de pau duro e o teu olhar desconfiado diante da minha coragem libertina de afrontar o mundo com a pesquisa de campo que não chega a lugar nenhum, que interdita o gozo acadêmico e afoito dos bons moços de Platão. Quero a tua gargalhada depravada e ingênua como uma ejaculação precoce.
Não, não quero mais. Quero absorver e observar o que há para viver e simplesmente não te ter.  Quero o dentro e o fora que o forasteiro me oferece quando abre a capa e eu olho seu corpo nu. A fumaça do cigarro turva por instantes o encontro do nosso olhar e eu estendo minha mão que veste uma luva negra para receber a alma que o forasteiro me entrega. É assim como deve ser, sem meandros, sem ritornelos, apenas os rizomas sem meias palavras, a luz agoniza em high definition sobre a minha pele branca e (im)pura. E eu me deixo fotografar, derradeira como as folhas do outono.

domingo, 3 de abril de 2011

Água tinta

As águas correm, escorrem, escoam, derretem e evaporam, em suores, urinas, lágrimas e gozo. São doces, salgadas, ácidas e balsâmicas. Benditas irrigam a imaginação; malditas corroem a emoção. Maliciosas contaminam as fontes puras do primeiro amor.
Água viva pelo leito do rio que me atravessa. Revirada do avesso na roda gigante do engenho que tira da cana a garapa que vira doce, que revira aguardente. Água ardente que macula o paladar ingênuo do menino feito homem. Água que irriga o sertão rachado do meu coração.
Açude feito para navegarem amores ribeirinhos, passageiros como a vazante da maré. Os rios que me navegam não têm começo nem fim, são regidos pelo mar, que recebe ordem da lua, que olha de soslaio o sol, que racha a terra e o corpo do sertanejo como se fossem feitos da mesma matéria: o barro da desilusão.
Água que me inunda quando deságua de você em mim. Naquele momento sublime em que a morte se aproxima e te possui. E te depõe rei no meu ventre rainha. Água que encharca a pele esfolada pelo teu roçar exigente e pagão, como devem ser as paixões.
Que arde e cura.
Que fere e dura.
Que bate e fura.
Água que invade, vaza, infiltra e ascende pelos atalhos rasgados na epiderme do meu coração cansado de sofrer. Triste de bater em vão.
Assim navego o rio, prisioneira da nau dos insensatos. E desfilo minha insensatez imperial e senhora diante da natureza indiferente. Escrava do passar.
Na minha água de mar feita de rio você não sabe o que vai encontrar. Esse é o enigma que me decifra e te devora. São as águas de abril.