domingo, 28 de novembro de 2010

Histórias de mulher I [aflições]

A história lhe cobria o corpo com o pudor da fantasia e a desfaçatez do desejo. Era um duelo entre iguais no tatame das caligrafias. E ela se agarrava às palavras como um náufrago ao pedaço de madeira que acredita o fará resistir até morrer ou ser resgatado, o que nesta situação é o mesmo apesar de não ser igual. Mar adentro ela abocanhava a história que só podia ser contada se, com a arma da imaginação, fosse capaz de invadir o corpo a corpo e fazer tal arruaça que dele fizesse brotar um corpo sem órgãos. Corpo indômito e preparado para experimentar a sensação limite da história que imaginava lhe tatuar com a agulha fina do destempero da paixão.
Aflita eu olhava a cena com a caneta na mão.

Por fim a história lhe era inscrita no corpo por um habilidoso calígrafo, capaz de provocar suspiros e fazer escapulir o gozo, represado nos confins da imaginação erótica, guardada a sete chaves na gaveta do esquecimento. Sob a grafia deste calígrafo artesão ela via sua pele se encher de prazer e tremer levemente diante da alegria que atravessava o ventre, os mamilos e os lábios – da boca e da vagina, em pequenas [e sucessivas] mortes.
Ela segurava suavemente o pincel entre contrações ritmadas pela perda da noção de tempo, pelo debruçar-se sobre a beira do precipício do prazer arredio que como um cavalo selvagem se aproximava para roubar o torrão de açúcar do líquido viscoso que lhe escorria no meio das pernas.
Aflita eu respirava ofegante sob os lençóis.

Enquanto isso ela buscava ávida a perfeição da caligrafia e a precisão dos significados das palavras desconexas entre as tramas da escrita, tramadas como armadilhas, para serem decifradas ou executadas no paredão do silêncio, de joelhos e com os olhos vendados. Era o sacrifício que ela aflita preparava.

Um encontro é como deparar-se com o mistério de um iceberg, este imenso bloco branco azulado, escondido sob a superfície abissal do mar. A parte visível sempre infinitamente menor do que a que se oculta sob a fantasmagoria plácida, silenciosa e fria da superfície corpórea que se expõe como um convite à navegação no que chamamos de (a)mar.

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