quarta-feira, 19 de março de 2014

Mãos gagas



Sinto as mãos gagas e estranguladas. Asfixiadas pelo silêncio. Afogadas na torrente de palavras que tentam, em vão, dizer.
Sinto as mãos gagas, esmagadas pela pulsação do coração. Disritmia e solidão. O inescapável, a loucura, o arco esticado antes do disparo da flecha.
Sinto as mãos gagas a segurarem objetos que incessantemente escapam e se espatifam no chão que não é de estrelas, é de cacos. Gagueira cacofônica que arranha a superfície lisa que jaz fora do ato, atemporal e terna.
Não sinto mais as mãos esmagadas que se esmeram em gestos afoitos. Afastadas do coração, gesticulam pensar a impunidade do ato. Como a mão que dedilha o piano e arranha as cordas do coração vagabundo.
Não sinto mais as mãos que vasculham o lixo no afã de encontrar alento, que tateiam no escuro e acariciam sombras, que se movimentam atônitas no vazio. Não sinto mais. Pressinto.
As mãos crescem como raízes, sem destino e ferrenhas, crescem como ramas, terrenas. Invejam as tramas das teias, aéreas.
As mãos se agarram gagas e afagam a intemperança dos gestos perdidos no fazer. Sôfregas percorrem o submundo dos lençóis. No corpo desnudo rabiscam linhas tortas e espalmam o universo como quem colhe um verso entre as folhas perdidas do caderno de caligrafia.
Sinto as mãos e elas são velhas, borradas pelos acessos de esquecimento. Elas tremem e temem. As mãos  manuseiam, manipulam e saltam sobre a espada e o abismo como quem não tem medo de morrer ou matar.

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