sexta-feira, 4 de março de 2011

A banhista da praça

Ela se banhava nua no chafariz da praça. Tinha o peito nu e à distância sua magreza não me permitia perceber se era homem ou mulher. Estava agachada junto à borda do chafariz. O gesto lacônico e esquivo com que se banhava era corajoso e coberto de vergonha. O meu olhar andava a volta do chafariz entre intrigado e curioso e partilhávamos o mesmo pudor, no meu caso, o de ficar olhando seu corpo nu enquanto se banhava. Nossos olhares dançavam um pas de deux: eu a olhava enquanto ela se concentrava no banho e não buscava flagrar à sua volta um observador indiscreto, um olhar que como um grande espelho lhe devolvesse a imagem da vergonha de estar ali nua tomando banho no meio da praça. Quando ela levantava seus olhos eu baixava os meus ou olhava em outra direção.
Sua atitude reservada e tão nobre quanto estar agachada permitia impedia que qualquer um se aproximasse para afugentá-la, dizer lhe alguma coisa, ou que os policiais tomassem uma atitude. Ela inexplicavelmente não afrontava ninguém, não cometia nenhum atentado ao pudor. Era uma nudez pública e ao mesmo tempo pudica, impregnada dos gestos de cuidados raros que a vida áspera na rua arranha e desentranha dos mais resistentes e fortes.
Aquela mulher tinha uma humanidade irrepreensível. Sua nudez transbordava a loucura e a insensatez a qual um olhar afoito poderia reduzi-la. Era como se aquele gesto banal e cotidiano de banhar-se tivesse transformado a praça em um minúsculo buraco de fechadura e estivéssemos todos nos, os passantes, olhando indiscretamente por ele. Era como se nosso direito de olhar tivesse sido subitamente confiscado pela banhista e se tornado uma violação ao direito de privacidade daquela mulher nua no chafariz da praça.
Banho e banhista ultrajavam os limites e fronteiras invisíveis da privacidade em público, era uma espécie de grito calado que calava fundo em quem espreitava a cena desconcertante e banal que a nudez expunha e testemunhava. Diante do anonimato da cena eu era apenas a suspeita do crime de olhar.

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