domingo, 10 de abril de 2011

Escrita sem lei

Minha escrita tem a feminilidade do travesti, a abstinência sexual do devasso, a virtude de ser pagã, o anonimato das obras infames, o pudor impertinente da puta iniciante e vaga no mundo vagabunda como os que escolhem a deriva.
Escrita que tatuo na retina de quem me lê, que sai na urina, que é feita das ruínas do meu sentir, abstrato e órfão, exercício insensato da razão perdida. Assim escrevo como quem mendiga um leitor. Uma pedinte que cobre o corpo com os andrajos sujos da própria escrita. Homeless sem texto. Coração de ferro que oxida sob a intempérie da inspiração baldia e urbana.
Disparo minha escrita sobre quem me lê, como se fosse um terrorista, uma mulher bomba em sua burka de textos esconderijo. Seqüestro tua atenção presa ao sentido e te faço refém do meu silêncio maldito, povoado de imagens fora da ação e da lei. Aqui na calada do texto você pode adormecer ou ser sacrificado.
Não escolha nem pense apenas leia como quem sorve um trago forte de aguardente. É o suplício. Deixa o meu texto arder na tua garganta até descer como um sapo goela abaixo. E te inundar o ventre de uma diarréia de sêmem em decomposição.
Assim é o meu texto: uma vagina ácida e latente. Cada palavra que ergo bêbada sobre o balcão decadente do pé sujo escorre líquida como os amores modernos. E o balconista limpa aflito e impaciente com um pano que fede a palavras apodrecidas e amores desiludidos.
A mulher bomba tomba no balcão de fórmica e alumínio, entre ovos cor-de-rosa e um pedaço de carne antiga que bóia em meio a cebolas, azeitonas e pimentões. É como se a missão terrorista de que era autora se desmanchasse no ar como um gozo prematuro ou o gozo que escapa na hora “h”, a hora da estrela decadente. Bomba desarmada, escrita degolada pela guilhotina do senso comum, ela diz alguma coisa, é difícil ouvi-la, aproximo o ouvido, é uma canção de ninar e eu, obediente, adormeço ao seu lado.

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