terça-feira, 5 de abril de 2011

Não

Não quero tua impossibilidade de amar, os limites, este não saber se entregar vestido de polidez e cortesia. Não quero te julgar nem explicar se é medo, se é coragem ou covardia, se é liberdade, autonomia ou servidão o que te aproxima e o que te faz me descartar. Não quero partilhar o que não é meu. Quero divisar o que é teu.
Quero a devassidão da nudez da violação das boas maneiras. A sujeira pura do sexo em quartos decadentes e com cheiro de desinfetante barato. Quero não pensar nas conseqüências e cuidar do desejo como quem amamenta um filho recém nascido. Pisando em ovos,  insegura e descobrindo o prazer da sofreguidão do sugar.
Quero palavras obscenas recobrindo a delicadeza do faro que perscruta os perfumes íntimos da minha vagina. E a mão indiscreta que percorre meu corpo como quem folheia um livro de contos eróticos. Quero a música no volume máximo depondo o entendimento. O plano inclinado e escorregadio dos abismos (in)corporais – eu e você a sós. Eu e você – samurais. Eu e você – as gueixas de lado. Toalhas mornas e o gosto pastoso do mingau que recobre a superfície estriada do estomago como um balsamo, comida para a alma, convulsão de sabores.
Não quero a tua solidão doída de esbarrar na parede do outro e escolher o atalho barato do buraco do rato. Quero a vontade de escalar e o risco de cair. A adrenalina e a depressão. A noite insone e o desespero que é o mesmo diante da intransigência do corpo e a exigência do gozo. Mas o que é o gozo se não a libertinagem – liberdade selvagem – da natureza? Que me possui sem pedir licença, sem as mesuras do amor cortês, sem disritmia.
Quero o teu defeito de fabricação, a tua impossibilidade de sustentar uma ereção, o teu cansaço, a tua hesitação diante  do convite para se perder no meu universo. Quero a impaciência e a volúpia do dominador e quero o domador de quatro perdendo a compostura na sodomia.
Quero a camisa de seda no peito aberta e as tatuagens borradas pelo destempero de amar demais e as desilusões amanhecidas como pão velho sobre a mesa do café. O café requentado e amargo como a despedida da amante preferida, já esquecida nos poemas colecionados como droga e comercializados em doses (des)medidas de amor. O amor mercadoria no boulevar das desilusões.  Ali onde a meia arrastão que vestes despe a fronteira entre o homem e a travesti que circulam nas tuas veias entupidas de gozo e morte, o teu corpo infartado e desejante.
Quero a peituda de pau duro e o teu olhar desconfiado diante da minha coragem libertina de afrontar o mundo com a pesquisa de campo que não chega a lugar nenhum, que interdita o gozo acadêmico e afoito dos bons moços de Platão. Quero a tua gargalhada depravada e ingênua como uma ejaculação precoce.
Não, não quero mais. Quero absorver e observar o que há para viver e simplesmente não te ter.  Quero o dentro e o fora que o forasteiro me oferece quando abre a capa e eu olho seu corpo nu. A fumaça do cigarro turva por instantes o encontro do nosso olhar e eu estendo minha mão que veste uma luva negra para receber a alma que o forasteiro me entrega. É assim como deve ser, sem meandros, sem ritornelos, apenas os rizomas sem meias palavras, a luz agoniza em high definition sobre a minha pele branca e (im)pura. E eu me deixo fotografar, derradeira como as folhas do outono.

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