quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Poros ciosos

O mundo é poroso. A minha pele de cobra está coberta de poros expostos que o olhar predador captura. Não enxerga a dor, nem o amor que transpira frio em pequenas gotas. Suor que aos poucos engrossa o rio que corre no leito do meu desejo.
Uma gaze de poros recobre a minha alma asfixiada pelo ardor da paixão. Os pelos arrancados como vestígios impuros da vergonha de ser animal deixam seu rastro corpo afora, forasteiro de mim. E uma geografia pornográfica assinala no mapa os lugares do corpo minado pelo desejo obsceno de ser presa.
Sou pedra e pétrea e assim porosa eu me submeto a ação do tempo, da intempérie da paixão, do destempero das águas corrosivas que encharcam as curvas do corpo esculpido pela dor. Sou cidade sitiada pelas inundações de março – ilha e oceano. E no convés do navio o porto é apenas uma miragem das águas onde somos reféns da ilusão de ficar “a ver navios”. Sereia e Medéia eu te acometo no batuque do meu pulsar e à tua cabeça fogosa eu ofereço o mistério do meu regaço silencioso e sinuoso. Sou uma armadilha de poros, uma bateia que mergulha voraz na água do rio à procura da tua pepita de outro. E um convite para que as pontas dos teus dedos pratiquem o crime inafiançável de que apenas as mãos são culpadas: alisar com ingenuidade a superfície imperfeita da carne. Sou carnificina, carnaval e Carmen. No mercado de carnes pratico o ofício de tatuar a dor. Tatuagem que é cicatriz do grito calado no corpo, esquecimento, pele condenada a guardar a dor, costurada como uma mortalha nos afetos desperdiçados,  ressecados e dissecados no meu coração.
Os poros me purificam. É o suor que se esvai em lágrimas. Um mesmo sal de um mar abismo me banha o corpo. Bendito ritual de possessão e entrega que como uma maré vazante escoa e faz revoar a minha insensatez. Incendeio a praia da solidão e do outro lado a escuridão indiferente e  altiva me sorri com a ironia da Gioconda. Eu não a vejo, apenas pressinto, no arrepio que eriça os poros envenenados pela sangria da desilusão.

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